Pois esse é um dos dilemas envolvendo a fosfoetanolamina, uma substância que vem sendo distribuída pela Universidade de São Paulo a pacientes de câncer. De acordo com o Instituto de Química de São Carlos — IQSC — da USP, o composto foi estudado pelo Prof. Gilberto Chierice, que fez parte do Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros e hoje está aposentado.
Substância milagrosa
Segundo as descobertas do Prof. Gilberto, a fosfoetanolamina faz com que as células cancerosas se tornem mais visíveis para o sistema imunológico, levando o organismo a atacar as células doentes. As pesquisas começaram a ser conduzidas na década de 80, e inúmeros pacientes relataram melhoras significativas após iniciar o tratamento com a substância.Contudo, apesar de o composto ter passado por estudos com animais e até com células humanas em laboratório, a pesquisa não chegou a avançar dessa etapa. Isso significa que a fosfoetanolamina nunca foi testada clinicamente em pacientes humanos — e, portanto, não conta com as licenças necessárias para ser fornecida legalmente como medicamento.
Pesquisa independente
Segundo o IQSC, a pesquisa estava focada na síntese da fosfoetanolamina e foi conduzida de forma independente pelo professor e outros indivíduos que não estavam ligados à universidade. Assim, em dado momento, o docente decidiu começar a produzir e doar a substância a doentes de câncer para que essas pessoas utilizassem a fosfoetanolamina como medicamento.No entanto, a legislação federal proíbe a produção e distribuição de compostos para uso medicinal sem os devidos registros ou licenças emitidas pelas autoridades competentes — e a substância fornecida pelo professor não possui nenhum desses documentos.
Por sua parte, o docente disse que entrou com vários pedidos junto à Anvisa para liberar a fosfoetanolamina, mas nunca obteve resposta. Já a agência alegou que nunca recebeu qualquer notificação. Mas, mesmo que tivesse recebido, não poderia emitir o registro porque os estudos com a substância nunca foram concluídos.
Ainda assim, para suprir a demanda dos doentes, o IQSC continuou fornecendo as cápsulas de fosfoetanolamina gratuitamente, até que, em meados do ano passado, a instituição decidiu suspender a distribuição. A iniciativa gerou uma forte reação por parte dos milhares de pacientes que fazem uso da substância, e muitos deles entraram na justiça para obter o composto.
Distribuição interrompida
A USP afirma que não tem acesso ao conhecimento técnico e científico desenvolvido pelo Prof. Gilberto para a produção da fosfoetanolamina, sem falar que a substância é protegida por patentes. Além disso, a instituição também ressaltou que não conta com dados científicos a respeito da eficácia do composto no tratamento do câncer, já que, até onde se sabe, não ocorreram ensaios clínicos com pacientes que fizeram uso da fosfoetanolamina.O Instituto de Química ainda explicou que vem produzindo e distribuindo a substância para atender determinações de processos judiciais movidos por doentes que já faziam uso da fosfoetanolamina. Mas acrescentou que não fornece bula ou maiores informações sobre possíveis efeitos colaterais e contraindicações associadas ao emprego do composto.
Ademais, embora a produção e distribuição sejam proibidas, não existem restrições com respeito a pesquisas conduzidas com a fosfoetanolamina — ou qualquer outra substância. E se forem cumpridas todas as normas legais definidas pela legislação federal, os estudos podem avançar e envolver a participação de animais e seres humanos.
O que não ficou muito claro ainda é o motivo de um composto potencialmente revolucionário e que poderia salvar a vida de milhões de pessoas em todo mundo ainda não ter sido devidamente estudado. Em vez de brigar tanto, não seria mais interessante focar no desenvolvimento de pesquisas que comprovem a eficácia da fosfoetanolamina?
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